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E foi por esta, foi por amor desta que eu me deixei cair na digressão
dramático-literária do princípio deste capítulo; pegou-se-me à pena
porque se me tinha pregado na cabeça; e ou o capítulo não saía, ou ela
havia de sair primeiro.
Poeta em anos de prosa! Ó Figueiredo, Figueiredo, que grande
homem não foste tu, pois imaginaste esse título que só ele em si é um
volume! Há livros, e conheço muitos, que não deviam ter título, nem o
título é nada neles.
Faz favor de me dizer o de que servem o que significa o Judeu
errante posto no frontispício desse interminável e mercatório romance
que aí anda pelo mundo, mais errante, mais sem fim, mais imorredoiro
que o seu protótipo?
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Viagens na Minha Terra
E há títulos também que não deviam ter livro, porque nenhum livro
é possível escrever que os desempenhe como eles merecem.
Poeta em anos de prosa é um desses.
Eu não leio nenhuma das raras coisas que hoje se escrevem
verdadeiramente belas , isto é, simples, verdadeiras, e por consequência
sublimes, que não exclame com sincero pesadume cá de dentro: Poeta em
anos de prosa!
Pois este é o século para poetas? Ou temos nós poetas para este
século?...
Temos sim, eu conheço três: Bonaparte, Sílvio Pélico e o Barão de
Rotschild.
O primeiro fez a sua Ilíada com a espada, o segundo coma
paciência, o último com o dinheiro.
São os três agentes, as três entidades, as três divindades da época.
OU cortar com Bonaparte, ou comprar com Rotschild, ou sofrer e
ter paciência com Sílvio Pélico.
Tudo o que fizer doutra poesia  e doutra prosa também  é tolo...
Vieram-me estas mui judiciosas reflexões a propósito do capítulo
antecedente desta minha obra-prima; e lancei-as aqui para instrução e
edificação do leitor benévolo. Acabei com elas quando chegamos à ponte
da Asseca.
Esquecia-me de dizer que daqueles três grandes poetas só um está
traduzido em português  o Rotschild não é literal a tradução, agalegou-
se e ficou muito suja de erros de imprensa, mas como não há outra...
Ora donde veio esse nome de Asseca? Algures daqui perto deve de
haver sítio, lugar ou coisa que o valha, com o nome de Meca; e daí talvez
o admirável rifão português que ainda não foi bem examinado como devia
ser, e que decerto encerra algum grande ditame de moral primitiva:
andou por Seca (Asseca?) e Meca e Olivais de Santarém, Os tais Olivais
ficam logo adiante. É uma etimologia como qualquer outra.
A ponte da Asseca corta uma várzea imensa que há-de ser um vasto
paul de Inverno: ainda agora está a dessangrar-se em água por toda a
parte.
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Almeida Garrett
É notável na história moderna este sítio. Aqui num recontro com os
nossos foi Junot gravemente ferido na cara. Il ne sera plus beau garçon,
disse o parlamentário francês que veio depois da acção, tratar, creio eu,
de troca de prisioneiros ou de coisa semelhante. Mas enganou-se o
parlamentário; Junot ainda ficou muito guapo e gentil-homem depois
disso.
Tenho pena de nunca ter visto o Junot nem o Maneta, as duas
primeiras notabilidades que ouvi aclamar com tais e cujos nomes
conheci... Engano-me; conheci primeiro o nome de Bonaparte. E lembra-
me muito bem que nunca me persuadi que ele fosse o monstro disforme e
horroroso que nos pintavam frades e velhas naquele tempo. Imaginei
sempre que, para excitar tantos ódios e malquerenças, era necessário que
fosse um bem grande homem.
Desde pequeno que fui jacobino, já se vê: e de pequeno me custou
caro. Levei bons puxões de orelhas de meu pai por comprar na feira de S.
Lázaro, no Porto, em vez de gaitinhas ou de registos de santos ou das
outras bugigangas que os mais rapazes compravam... não imaginam o
quê... um retrato de Bonaparte.
Foi enguiço, diria uma senhora do meu conhecimento que acreditou
neles, foi enguiço que ainda não se desfez e que toda a vida me tem
perseguido.
Quem me diria quando, por esse primeiro pecado político da minha
infância, por esse primeiro tratamento duro e  perdoe-me a respeitada
memória de meu santo pais!  injustíssimo, que me trouxe o mero
instinto das ideias liberais, que me diria que eu havia de ser perseguido
por elas toda a vida! que apenas saído da puberdade havia de ir a essa
mesma França, à pátria dessas ideias com que a minha natureza
simpatizava sem saber por quê, buscar asilo e guarida?
Não vi já quase nenhum daqueles que tanto desejara conhecer; as
ruínas do grande Império estavam dispersas; os seus generais mortos,
desterrados, ou trajavam interesseiros e cobardes as librés do vencedor...
De todas as grandes figuras dessa época, a que melhor conheci e
tratei foi uma senhora, tipo de graça, de amabilidade e de talento. Pouco
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Viagens na Minha Terra
foi o nosso trato, mas quanto bastou para me encantar, para me formar
no espírito um modelo de valor e merecimento feminino que veio a me
fazer muito mal.
Custa depois a encher aquela altura a que se marcou...
Eis aqui como eu fiz esse conhecimento.
Inda o estou vendo, coitado! o pobre do C. do S., nobre, espirituoso,
cavalheiro, fazendo-se perdoar todos os seus prejuízos de casta, que tinha
como ninguém, por aquela polidez superior e afabilidade elegante que
distingue o verdadeiro fidalgo (estilo antigo); inda o estou vendo, já
sexagenário, já mais que ci-devant jeune homme, o pesoaço entalado na
inflexível gravata, os pés pegando-se-lhe, como os de Ovídio, ao limiar da
porta  não que lhos prendessem saudades, senão que lhos paralisava a
caquexia incipiente  mas o espírito jovem a reagir e a teimar.
 Vamos!  disse ele  hoje estou bom, sinto-me outro, quero
apresentá-lo a Madame de Abrantes . Está tão velha! Isto de mulheres
não são como nós, passam muito depressa.
E o desgraçado tremiam-lhe as pernas e sufocava-o a tosse.
Tomamos uma citadine, e fomos com efeito à nova e elegante rua
chamada, não impropriamente, a rua de Londres, onde achamos rodeada
de todo o esplendor do seu ocaso aquela formosa estrela do Império.
Não quero dizer que era uma beleza, longe disso. Nem bela, nem
moça, nem airosa de fazer impressão era a Duquesa de Abrantes. Mas em
meia hora de conversação, de trato, descobriam-se-lhe tantas graças,
tanto natural, tanta amabilidade, um complexo tão verdadeiro e perfeito
da mulher francesa, a mulher mais sedutora do mundo, que
involuntariamente se dizia a gente no seu coração:  Como se está bem
aqui!
Falamos de Portugal, de Lisboa, do Império, da restauração, da
revolução de Julho (isto era em 1831), de M. de Lafayette, de Luís Filipe,
de Chateaubriand  o seu grande amigo dela  do Sacré Coeur e das
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suas elegantes devotas  falamos artes, poesia, política... e eu não
tinha ânimo para acabar de conversar.
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Almeida Garrett
Benévolo e paciente leitor, o que eu tenho decerto ainda é
consciência, um resto e consciência: acabemos com estas digressões e
perenais divagações minhas. Bem vejo que te deixei parado à minha
espera no meio da ponte da Asseca. Perdoa-me por quem és, demos de [ Pobierz caÅ‚ość w formacie PDF ]
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